Gênesis
O terceiro capítulo de Gênesis é um texto fascinante. Se lermos ao pé da letra, como fazem os fundamentalistas, é uma piada. Se lermos como lemos uma poesia ou interpretamos um sonho, é belo.
Aquele grande pensador ateu, Sigmund Freud, era judeu e a linguagem da Bíblia deve ter influenciado em muito seus escritos. Séculos depois de o Gênesis ter sido escrito, os cristãos quiseram por a culpa em Satanás, como se ele fosse a serpente. Vide Apocalipse12: 9.
Mas o texto do Gênesis não diz que havia nada sobrenatural na serpente. Então a história é uma fábula como a do Chapeuzinho Vermelho, em que o lobo fala com a menina. Será que, quando o texto foi escrito, era entendido como uma fábula e depois os fiéis quiseram usá-lo como se fosse História, tal como fazem até hoje?
Flávio Josefo, que nasceu em 37 d. C e morreu em 100 d.C. mostra que, naquela época, os judeus acreditavam que aquilo realmente aconteceu, mas, ao de muitos cristãos, ele não diz que a serpente era Satanás: diz que a cobra era uma cobra. Ponto.
E se lermos o Gênesis como obra literária? Da mesma forma que lemos lendas, poemas, teatro? Ou sonhos, cuja interpretação é central para a Psicanálise, escola de pensamento criada pelo judeu Freud?
A árvore era a árvore do conhecimento do bem e do mal. A serpente é um símbolo do conhecimento em várias culturas. Vamos lembrar que ela está no anel de formatura dos médicos, pois a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. O médico é quem sabe a dose certa. Vamos lembrar que a serpente é um símbolo fálico e a cultura judaica é machista (vamos lembrar que a marca do pacto com Deus é a circuncisão no pênis: ou seja, cabe aos homens carregar no corpo essa aliança). E a serpente conversa com Eva, não com Adão. Comer do fruto é como o despertar da sexualidade.
E se lermos esse capítulo como lemos uma tragédia grega em que não existem o bem e o mal? Podemos ver Adão e Eva como personagens trágicos. Embora houvesse uma grande distância entre Israel e a Grécia, e fossem culturas diferentes, há traços de contato entre essas tradições. Esses traços de contato me interessa estudar e compreender como e por que eles existem.
A tragédia é, entre outras coisas, a queda de um grande homem. Adão foi criado perfeito, como imagem e semelhança de Deus. Seria de se esperar que ele quisesse ocupar o lugar do pai. Adão e Eva assim se aproximam de Édipo. O complexo de Édipo poderia ser o complexo de Adão e Eva.
A serpente lhes promete que eles se tornarão iguais a Deus e por isso Deus não quer que eles comam do fruto. (Como no desenho "Os Incríveis" percebemos que o senhor Incrível coloca limites no filho. Para proteger o garoto ou para impedir que o filho o supere?
Como eles podem se igualar a Deus? Deus criou o mundo através das palavras. Conhecemos o mundo e transmitimos conhecimento através das palavras. Ter o conhecimento pode tornar o homem capaz de criar novos mundos. Deus criou o homem. Transar faz com que o homem crie novos homens. Assim, apoderando-se do conhecimento e tomando consciência de sua sexualidade, o casal se torna igual a Deus, como a serpente prometeu. É como uma fábula sobre heróis que precisam amadurecer. (O Telêmaco, da "Oidsseia", o Pinóquio, o filho do Sr. Incrível, entre outros, são personagens que vemos amadurecerem. Eles precisam cumprir certas tarefas para amadurecerem.) Comer o fruto proibido foi a tarefa que eles tiveram de cumprir para amadurecerem.
Após comer o fruto proibido e descobrir que estavam nus, é como se eles se tornassem adultos e precisassem agora viver como adultos, sem a proteção dos pais -- ou do Paizão Deus. Quando surge esse papo de religião na escola, eu comento essas coisas e a garotada fica espantada -- e vários concordam comigo.
O que fez com que nossos antepassados se tornassem humanos?
A bipedação. Andar em pé fez com que nossas antepassados ficassem com as mãos livre para criarem ferramentas e trabalharem. ("Comerás o pão com o suor de teu rosto") Isso lembra aquele texto que irritou Ariano Suassuna: "O papel do trabalho na transformação do macaco em homem", de Friedrich Engels. (Que está disponível de graça para download no site www.vermelho.org.br, site do PC do B -- que não é meu partido, mas tem uma boa biblioteca marxista.)
Qual a consequência da bipedação para as mulheres?
"Aumentarei suas dores de parto". Andar sobre dois pés estreitou os quadris da nossa espécie e tornou o parto mais difícil. Eu comecei a ler Jung para entender o conceito de "inconsciente coletivo". Essa maldição escrita no mito do Éden seria uma vaga lembrança, transmitida através das gerações, de uma época em que nossas fêmeas sofriam menos ao parir?
Essa leitura alegórica que faço do "Gênesis" é uma heresia para os fundamentalistas, mas é a maneira mais fácil para mostrar metaforicamente a evolução humana para quem está a todo o momento catequizado por uma leitura estreita da Bíblia. E interpretando assim, metaforicamente, os elementos da narrativa, consigo fazer com quealguns adolescentes comecem a entender o que é a evolução. É preciso aproveitar qualquer brecha para que a luz comece a entrar.
Espero ter contribuído para a leitura do Gênesis na escola dominical para ateus.
Recomendo que vocês assistam ao vídeo do Pirulla, o primeiro sobre Criacionismo. "Criacionismo: Etiologia". Ele diz que a fábula do Éden visava a explicar como poderia haver um animal tão estranho como a cobra, que não tem pernas.
Há pinturas medievais que representam a cobra com pernas no Éden. O desenho "Histórias Engraçadas da Bíblia" resgata essa tradição. Na Capela Sistina, a serpente é uma mulher com braços. Interessante Darwin ter constatado que as serpentes descendem de bichos que tinham patas.
Recomendo também que procurem no Google "João Paulo II Adão e Eva" que vocês verão vários sites dizendo que João Paulo II negou que Adão e Eva tenham existido realmente.
A Igreja Católica e a Igreja Anglicana têm uma relação ambígua com Darwin. "A Origem das Espécies" nunca entrou na lista dos livros proibidos da Igreja Católica e Darwin foi sepultado na igreja mais importante da Inglaterra, a Abadia de Westminster.
Isso se deu porque Darwin nunca assumiu em seus escritos o seu ateísmo. Por quê?
Darwin fala de Deus várias vezes em "A Origem das Espécies". No último parágrafo, ele diz que a vida teria sido insuflada pelo Criador em poucas formas.
Por que ele fez isso?
Na época em que Darwin viveu, havia liberdade de expressão na Inglaterra. Mas o direito autoral era um acordo entre o empresário (editor do livro) e a coroa. Quando alguém escrevia um livro, procurava um editor. O editor querendo publicar, levava a uma comissão que examinava a obra. Se não houvesse nada que contrariasse os interesses da rainha Vitória ou da Igreja Anglicana (igreja da rainha), o livro recebia a proteção da coroa. Quer dizer, um livro que dissesse que Deus não existe, ou que a Igreja Católica era melhor que a Anglicana, ou que a República é melhor que a monarquia não tinha essa proteção. Sem essa proteção, a pirataria estaria liberada. Qualquer pessoa poderia produzir cópias dessa obra.
Aquele grande pensador ateu, Sigmund Freud, era judeu e a linguagem da Bíblia deve ter influenciado em muito seus escritos. Séculos depois de o Gênesis ter sido escrito, os cristãos quiseram por a culpa em Satanás, como se ele fosse a serpente. Vide Apocalipse12: 9.
Mas o texto do Gênesis não diz que havia nada sobrenatural na serpente. Então a história é uma fábula como a do Chapeuzinho Vermelho, em que o lobo fala com a menina. Será que, quando o texto foi escrito, era entendido como uma fábula e depois os fiéis quiseram usá-lo como se fosse História, tal como fazem até hoje?
Flávio Josefo, que nasceu em 37 d. C e morreu em 100 d.C. mostra que, naquela época, os judeus acreditavam que aquilo realmente aconteceu, mas, ao de muitos cristãos, ele não diz que a serpente era Satanás: diz que a cobra era uma cobra. Ponto.
E se lermos o Gênesis como obra literária? Da mesma forma que lemos lendas, poemas, teatro? Ou sonhos, cuja interpretação é central para a Psicanálise, escola de pensamento criada pelo judeu Freud?
A árvore era a árvore do conhecimento do bem e do mal. A serpente é um símbolo do conhecimento em várias culturas. Vamos lembrar que ela está no anel de formatura dos médicos, pois a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. O médico é quem sabe a dose certa. Vamos lembrar que a serpente é um símbolo fálico e a cultura judaica é machista (vamos lembrar que a marca do pacto com Deus é a circuncisão no pênis: ou seja, cabe aos homens carregar no corpo essa aliança). E a serpente conversa com Eva, não com Adão. Comer do fruto é como o despertar da sexualidade.
E se lermos esse capítulo como lemos uma tragédia grega em que não existem o bem e o mal? Podemos ver Adão e Eva como personagens trágicos. Embora houvesse uma grande distância entre Israel e a Grécia, e fossem culturas diferentes, há traços de contato entre essas tradições. Esses traços de contato me interessa estudar e compreender como e por que eles existem.
A tragédia é, entre outras coisas, a queda de um grande homem. Adão foi criado perfeito, como imagem e semelhança de Deus. Seria de se esperar que ele quisesse ocupar o lugar do pai. Adão e Eva assim se aproximam de Édipo. O complexo de Édipo poderia ser o complexo de Adão e Eva.
A serpente lhes promete que eles se tornarão iguais a Deus e por isso Deus não quer que eles comam do fruto. (Como no desenho "Os Incríveis" percebemos que o senhor Incrível coloca limites no filho. Para proteger o garoto ou para impedir que o filho o supere?
Como eles podem se igualar a Deus? Deus criou o mundo através das palavras. Conhecemos o mundo e transmitimos conhecimento através das palavras. Ter o conhecimento pode tornar o homem capaz de criar novos mundos. Deus criou o homem. Transar faz com que o homem crie novos homens. Assim, apoderando-se do conhecimento e tomando consciência de sua sexualidade, o casal se torna igual a Deus, como a serpente prometeu. É como uma fábula sobre heróis que precisam amadurecer. (O Telêmaco, da "Oidsseia", o Pinóquio, o filho do Sr. Incrível, entre outros, são personagens que vemos amadurecerem. Eles precisam cumprir certas tarefas para amadurecerem.) Comer o fruto proibido foi a tarefa que eles tiveram de cumprir para amadurecerem.
Após comer o fruto proibido e descobrir que estavam nus, é como se eles se tornassem adultos e precisassem agora viver como adultos, sem a proteção dos pais -- ou do Paizão Deus. Quando surge esse papo de religião na escola, eu comento essas coisas e a garotada fica espantada -- e vários concordam comigo.
O que fez com que nossos antepassados se tornassem humanos?
A bipedação. Andar em pé fez com que nossas antepassados ficassem com as mãos livre para criarem ferramentas e trabalharem. ("Comerás o pão com o suor de teu rosto") Isso lembra aquele texto que irritou Ariano Suassuna: "O papel do trabalho na transformação do macaco em homem", de Friedrich Engels. (Que está disponível de graça para download no site www.vermelho.org.br, site do PC do B -- que não é meu partido, mas tem uma boa biblioteca marxista.)
Qual a consequência da bipedação para as mulheres?
"Aumentarei suas dores de parto". Andar sobre dois pés estreitou os quadris da nossa espécie e tornou o parto mais difícil. Eu comecei a ler Jung para entender o conceito de "inconsciente coletivo". Essa maldição escrita no mito do Éden seria uma vaga lembrança, transmitida através das gerações, de uma época em que nossas fêmeas sofriam menos ao parir?
Essa leitura alegórica que faço do "Gênesis" é uma heresia para os fundamentalistas, mas é a maneira mais fácil para mostrar metaforicamente a evolução humana para quem está a todo o momento catequizado por uma leitura estreita da Bíblia. E interpretando assim, metaforicamente, os elementos da narrativa, consigo fazer com quealguns adolescentes comecem a entender o que é a evolução. É preciso aproveitar qualquer brecha para que a luz comece a entrar.
Espero ter contribuído para a leitura do Gênesis na escola dominical para ateus.
Recomendo que vocês assistam ao vídeo do Pirulla, o primeiro sobre Criacionismo. "Criacionismo: Etiologia". Ele diz que a fábula do Éden visava a explicar como poderia haver um animal tão estranho como a cobra, que não tem pernas.
Há pinturas medievais que representam a cobra com pernas no Éden. O desenho "Histórias Engraçadas da Bíblia" resgata essa tradição. Na Capela Sistina, a serpente é uma mulher com braços. Interessante Darwin ter constatado que as serpentes descendem de bichos que tinham patas.
Recomendo também que procurem no Google "João Paulo II Adão e Eva" que vocês verão vários sites dizendo que João Paulo II negou que Adão e Eva tenham existido realmente.
A Igreja Católica e a Igreja Anglicana têm uma relação ambígua com Darwin. "A Origem das Espécies" nunca entrou na lista dos livros proibidos da Igreja Católica e Darwin foi sepultado na igreja mais importante da Inglaterra, a Abadia de Westminster.
Isso se deu porque Darwin nunca assumiu em seus escritos o seu ateísmo. Por quê?
Darwin fala de Deus várias vezes em "A Origem das Espécies". No último parágrafo, ele diz que a vida teria sido insuflada pelo Criador em poucas formas.
Por que ele fez isso?
Na época em que Darwin viveu, havia liberdade de expressão na Inglaterra. Mas o direito autoral era um acordo entre o empresário (editor do livro) e a coroa. Quando alguém escrevia um livro, procurava um editor. O editor querendo publicar, levava a uma comissão que examinava a obra. Se não houvesse nada que contrariasse os interesses da rainha Vitória ou da Igreja Anglicana (igreja da rainha), o livro recebia a proteção da coroa. Quer dizer, um livro que dissesse que Deus não existe, ou que a Igreja Católica era melhor que a Anglicana, ou que a República é melhor que a monarquia não tinha essa proteção. Sem essa proteção, a pirataria estaria liberada. Qualquer pessoa poderia produzir cópias dessa obra.
Assim, Darwin enganou a rainha
para poder ganhar dinheiro. E o Vaticano também mordeu a isca.
Boa postagem, grato!
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