Certa vez, me
vi num leve embate com um amigo de não tão longa data. Conversávamos sobre
situações curiosas, incomuns e inusitadas. Até, em certo ponto, uma história da
homoafetividade veio à tona para discutirmos. Sua posição era moderada, mas
ainda assim foi possível enxergar a mente arraigada de concepções que vemos
quase sempre. “Olha, acho que a pessoa tem todo o direito de escolher ficar com
homem ou mulher, só acho errado sair na rua e ficar exibindo isso, dessa
maneira.” Ele disse.
Independentemente
da minha resposta, ela seria suscitada aqui. Nossa visão de direito sempre foi
e sempre será limitada a dogmas impostos, (novamente) independentemente de
quais sejam. Crianças nascem sem muito o que refletir, sem muito o que conceber
de sua existência, apenas aquilo que lhes é direto, necessário: comer, beber,
ser limpo, e chama a atenção para que isso ocorra. Nada mais. Sendo assim, de
onde viriam todas as noções que, ao longo do tempo, são demonstradas por estas
pessoas? Do que lhes é ensinado, além da situação evolutiva que acomete-os.
Em comunidades
extremamente fechadas, não é comum encontrar membros que decidam retirar-se destas,
não apenas em vias de sua conexão sentimental a ela, bem como sua profunda
crença da necessidade de estar lá, mas também por uma seleção natural
diversificada através das décadas – séculos até, dependendo da comunidade – que
moldou o que esta é hoje, seus costumes e membros. Bem como a formação do
próprio ser vivo (ainda não socialmente humano)[1],
que depende de uma variada forma de posições e sobreposições da natureza
própria e da aprendizagem.
O
comportamento tem se desenvolvido em nossa sociedade ainda muito mediante as
convicções a nós passadas em funções mais antigas, mas estas são ou modificadas
ou até mesmo suplantadas para atender às necessidades diferentes, mutantes
pelas gerações que se sobrepõe. Poderíamos discutir como esta situação ocorre,
por que a necessidade de uma geração parece não preceder mais do que poucos e
específicas aparências com as gerações anteriores, mas podemos deixar isso para
outra postagem. Estas novas concepções, dando-se pela percepção das atitudes
dos novos seres humanos nos remetem a identificar que tende a mais que a
liberdade de ação por parte de todos à nossa volta, bem como as nossas mesmas.
Assim, as relações afetivas, que já foram – e ainda são em muitos países – como
coisas escabrosas de se fazer em público, privadamente, por quaisquer pessoas
não mais é visto assim. E a próxima barreira a se compreender (e esta existe
quase que eternamente e com pouquíssimos arranhões em sua estrutura) é a da
relação homoafetiva. E as desculpas para sua não aceitação são tão esdrúxulas e
simplórias quanto as que eram utilizadas para qualquer outra relação afetiva.
O programa
‘Encontro com Fátima Bernardes’, possivelmente aproveitando-se de uma situação
concisa com sua rede de programação diária, mostrou em um de seus programas[2]
uma situação peculiar (infelizmente): um vídeo que o namorado de um rapaz o
pedia em casamento, com um alarde comovente. Mostrou primeiramente para pais de
alunos entre 6 e 9 anos de idade, de uma escola pública do Rio de Janeiro e,
com autorização destes, as crianças também viram. Este trabalho com o vídeo e
as crianças deve, possivelmente, ter sido inspirado na produção da produtora Fine
Brothers, da série “Kids React”[3],
no Youtube, com a mesma temática, mas se baseando em 15 crianças na Califórnia.
Foi curioso
ver as reações, de ambos, no original americano e no equivalente brasileiro.
Obviamente isto não se passa por uma pesquisa, seja de forma quantitativa ou
mesmo qualitativa, mas demonstra, a título de reflexão, como tem funcionado a
resposta imediata das crianças. Vivemos numa – óbvia, clichê, razoavelmente
difundida, mas muito verdadeira – sociedade com costumes que nos levam as
concepções como as que algumas destas crianças demonstraram. Compelem as
pequeninas a imaginar o que é errado e certo, sem uma averiguação prévia de
valores, sem uma assimilação mais real das necessidades e decisões e seus pesos,
seus confrontos sociais, consequências legais, individuais e afins. Sendo assim,
estas são sempre moldadas, tanto pelos pais, responsáveis e a doente sociedade
vigente para a concepção que se mostra. Claro, isto é generalização. Nem todos
pensam ou ensinam isso, parcialmente (como meu referido anteriormente amigo) ou
totalmente.
Há, inclusive,
uma falácia que acabou por ser gerada em função da ação do programa. Houveram
comentários que deveriam ser recebidos minimamente com pouca atenção, mas o tom
perigoso com que são disparados nos leva a refletir o que podemos fazer por
todos nós. O pastor Rubens Teixeira disse[4],
quanto ao vídeo e a ação da Rede Globo, que “não sabemos o limite desta permissividade. Depois do esforço pela
legalização do assassinato de fetos por meio do aborto, crianças assistirem
estas cenas é mais um insulto à inocência de indefesos. Qual seria o passo
seguinte? Não duvido se vierem com a ‘flexibilização’ da pedofilia, já embutida
em uma das propostas de reforma do Código Penal”. Pode-se perceber,
de imediato, que em momento algum ele questiona as razões sociais da ação, e
das reações das pessoas envolvidas, e o que dirá a respeito das situações
legais que ele cita, completamente cheias de senso comum (enfeitadas por
palavras pomposas) e sem um mínimo de leitura das leis por ele vociferadas.
Mas, tomando a
deixa d’um pastor evangélico verberar sobre o assunto, que tal refletirmos um
pouco, que tal pensarmos sobre os malefícios citados neste texto serem direcionados
da mesma maneira que o próprio define como “insulto à inocência de indefesos”? E
reverberando sobre ações prejudiciais das religiões em relação à crianças, e os
cristãos?
O tratamento
impregnado às crianças em rituais religiosos em muito passa qualquer tentativa
frustrada de denegrir o simples afeto entre duas (ou mais) pessoas. A maior
parte das religiões do mundo programam nefastas iniciações dogmáticas e
ritualísticas, que violenciam as crianças de varias formas distintas, as vezes
mais de um adjetivo, onde estas configuram como o limiar da continuação destas
práticas abomináveis. Vídeos e histórias repassadas aos montes, desde simples
publicações da web como notícias de conceituadas mídias demonstram esta
prática: circuncisão em pequenos bebês judeus;
a Ashura entre os xiitas islâmicos, que consiste em auto flagelação ou –
neste caso – flagelação induzida; a Mutilação Genital Feminina (MGF), que
consiste na pratica realizada em vários países principalmente da África, e da
Ásia, que consiste na amputação do clitóris da mulher de modo a que esta não
possa sentir prazer durante o ato sexual; dentre vários outros[5].
Logicamente, por
mais terríveis que sejam os rituais citados até agora, temos também aqueles
que, em momento algum devem ser sublevados, levam as crianças à morte de sua
grande preciosidade: a inteligência e curiosidade, que fazem-na a pequena
cientista. Ou seja, os ritos e mandamentos que lhes são impostos desde cedo as
jogam na vala da ignorância, da leviandade e, nos casos mais extremos, da
subserviência à autoridades que em momento algum lhes foi permitido imaginar
que poderia ser questionados. Estas crianças acabam nos primeiros momentos de
sua aprendizagem a pensarem serem erradas atitudes simples do crescimento
infantil, e são meticulosamente induzidas a crerem, conforme o tempo lhes é
passado, a não aceitarem quaisquer ideias naturais e de compreensão do universo
e a natureza que nos cerca. Ao que nos parece, os professores acabam por serem
os segundos atingidos por esta escabrosa torrente de megalomania religiosa,
onde lhes é perpetrado agir parcimoniosamente na educação das crianças, em
função da limitação do que ensinar, enquanto em suas casas elas são
‘desensinadas’ em prol da crença que nem lhes cabe.
A verdade, no fim,
é que percebemos que a sensação de todos aqueles que se julgam detentores de
direitos, o querem apenas – e somente apenas – em detrimento ao direito dos
outros. Nossa sociedade, no contexto absurdamente geral, se mostra alienada e
desfigurada de qualquer contexto humanista, de qualquer respeito pelo outro.
Neste ano, quando o ator e comediante britânico Stephen Fry veio ao Brasil para
gravar seu documentário “Out There”, sobre como a homossexualidade é tratada em
vários países[6]. Sua declaração final do
episódio é a mais refletiva que poderíamos ouvir de alguém que verdadeiramente
se preocupa com as relações humanas: “Esse deve ter sido um dos mais
estranhos e sinistros encontros que presenciei. Bolsonaro é o típico homofóbico
que encontrei pelo mundo todo, com seu mantra de que os gays querem dominar a
sociedade, recrutar crianças ou abusar delas. Mesmo num país progressista como
o Brasil, suas mentiras criam mentiras entre os ignorantes, dos quais violência
pode surgir...[7]”.
Ao fim, em
palavras do próprio por ser este agente forte para se visualizar o mundo
futuro, ele admite ter tentado suicídio[8],
quando viu a situação que ocorre nesses vários lugares que visitou, como o
Brasil: “É muito interessante... Acho que provavelmente estava conectado em
algum lugar, mas se você sofre de mudanças de humor e quando o ciclo depressivo
bate em você, lá vem uma enorme sensação de inutilidade e futilidade da vida e
do futuro, a sua própria vida pessoal e qualquer sentido que ele vai fazer.”
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