Discussões e
mais discussões. Toda vez que nos deparamos com o embate das divergências e
amostras das opiniões e explanações religião x ateísmo, podemos perceber que há
mais desinformações a respeito do “ser ateu” do que informações lúcidas para se
debater. Assim, a dificuldade de se elevar o nível do debate é transcendente ao
próprio debate, onde podem ambas as partes faltarem com a visão
proeminentemente correta das situações especificas em que se inserem cada
debatedor.
Longe de quer
mostrar o que é o ateísmo – e muitos parecem nem gostar do termo, diga-se – é
preciso mostrar a simplicidade com que este se perfaz na situação do seu
‘usuário’. Aquele que se põe como ateu não segue necessariamente nada! Não se
filia, ou abdica, ou questiona ou propõem seja o que for pelo ateísmo, mas
pelas suas próprias concepções vividas, diluídas na sua propensão a
demonstra-las ou não.
Das associações
Quando se é
posto em uma discussão deste aspecto em que um dos interlocutores é ateu, uma
posição inerente a isso é que se pergunte sobre o que se julga os “erros da
ciência” na concepção do natural. Bem, a concepção do natural se baseia no
empirismo e do ceticismo das aplicações nas pesquisas cientificas, que tem se
mostrado importantes não apenas para a compreensão do que nos cerca, mas para a
melhoria progressiva do meio de vida, ambiente em esferas muitas mais
abrangentes que ao próprio ser humano[1].
Sendo assim, ela passa pelos processos mais específicos para que se chegue à
conclusão mais próxima da realidade inerente ao ocorrido (ou ocorridos). Mas
com isso, há um precedente errôneo: a interpretação de que este ateu é – e
subsequentemente todo ateu seria – um cientista e, segundo a visão do
questionador, esta resposta seria vazia ou mesmo inexistente. Isso é apenas um argumento das consequências adversas [2][3],
tipo de argumento que tenta validar uma afirmação dizendo que seria impossível
se ela não existisse. Ou seja, tenta dizer que se é ateu, mas não conhece dos
aspectos mais longínquos da ciência não pode ser ateu. Erro!
Esse aspecto
não é visto apenas no que se considerar com relação a ciências biológicas e
físicas como repassada à concepção de ateus, mas em varias outras, histórica,
geográfica, social e demais.
Das concepções
As ideias que
cada pessoa pode ter de si, do entorno se diferenciam através da cultura e
sociedade em que o indivíduo provém, bem como – muitas vezes, mas não o tempo
todo – das formalizações de opiniões angariadas por este no limiar da vida
também depois de adulto. Assim, dizer que um ateu deve ou não ter uma
determinada visão passa longe do real que vertem este individuo. Infelizmente,
é comum encontrar entre os adeptos da descrença paradigmas que provêm dos
preconceitos estabelecidos pelos nichos religiosos. Estes nichos, algumas vezes
não foram criados pela religião predominante – o que é raro, diga-se – mas a
mesma faz questão de mantê-los para o controle dos seguidores e manutenção do
poder, status. Acaba, por tanto, sendo irônico que aqueles pressupostos se
mantenham na ideia do ateu, mas isso não o torna “mais ou menos” ateu. É um
indicativo de se observar a origem do ateísmo do indivíduo, e isso é importante
para se estabelecer a conexão entre a descrença deste e o fator que o levou a
tal. Por que é importante? Por que podemos inclusive entender qual o ponto de
dificuldade para se compreender a fraqueza humana e social quando mitigado à
religiosidade regional.
Sendo assim, a
propensão de encontrar pessoas tão resolutas às ideologias frívolas e lenientes
até extremamente comum, e isso não o torna – como já dito – “mais ou menos”
ateu. É de se esperar que com as percepções do conhecimento e entendimento da
racionalidade em interpretar a nós mesmo essa massiva vertente seja fundida a
realizações mais em prol do humanismo, liberdade de ações e compreensão do
diferente. A mudança deste se faz necessário não para o ateísmo, mas para si
mesmo.
Das argumentações
Uma discussão
se desenvolve com argumentos, e não cito aqui sua validade (mesmo sendo óbvio
que quanto melhores forem melhor o nível da conversa). O que nos move a
continuar na mesma é que possivelmente sempre veremos ter o que falar e passar.
Mas não é assim que ocorre, mesmo que não seja de toda falsa essa impressão. É
comum a discussão tornar-se redundante quando não a compreensão do que o outro
passa, do que este entende e a que conclusões tiraríamos disto.
Mas o ponto do
conhecimento é que ele é limitado aos indivíduos, e isso não falha aos
discursores. Então, propõe-se que se o ateu não consegue – por quaisquer
motivos que sejam – dar andamento na conversa, ou o mesmo não é “ateu o
suficiente” ou o ateísmo não dá respostas cabíveis. E dai vemos novamente uma
falácia, a do apelo à ignorância 23, onde qualquer coisa não se tenha provado
algo, logo seria o contrario desta. Uma argumentação – ou a falta dela – não
prodizem o ateísmo, tampouco o perfazem, o sintetizam. A argumentação provém da
competência do argumentador em explaná-la. Lógico que aqui fala-se da
argumentação, e não do objeto a ser argumentado, pois este lá esta independentemente
de seu defensor ou detrator saber seus pormenores.
É sempre
importante o conhecimento do que se argumenta, do que explana. Ou seja, para
melhor nos identificarmos com uma boa discussão, conhecer o máximo possível
mostra a insistente vontade humana em aprender, em evoluir e se manifestar a
tal. Mas conhecer as limitações torna-se imprescindível para melhor os
argumentos e, consequentemente, a discussão. As limitações podem nos levar a
querem compreender sempre mais.
Mais erros: fonte
Há também
aquelas que se perfazem por fontes, baseando-se apenas nelas sem qualquer
informação adicional por parte do divulgador. Colocar uma reportagem, por
exemplo, intitulada “Novo estudo
científico confirma o Gênesis: a vida humana teve origem no barro”[4] não facilita
para qualquer tipo de proposição, pois a mesma não cita fontes quando
verificada especificamente. E essa dificuldade, se não percebida no início,
desgasta a conversa a ponto de, a partir da premissa equivocada, desconstruir
todo o debate.
Mas o erro acaba por ocorrer de varias partes.
As citações bíblicas que demonstram erros crassos na concepção natural são
algumas delas. Por mais que possam existir pessoas que possuam o ideário de que
as citações escatológicas são vertentes reais, referendá-las como ignorantes
não ajuda em nada a argumentação. Pelo contrario, distância o caminho do
entendimento, quase que como uma barreira entre interlocutor e ouvinte. É
inegável a dificuldade de se dialogar com estas implicações, seja de qual
‘lado’ for. Por isso, acaba-se por esperar que o ateu tenha o discernimento
ideal. Mas por quê? Por este ser propenso e aberto? Não, o ateu – repetindo – é
apenas e simplesmente a descrença. Não se pode imputar e tão pouco exigir que
este aja desta maneira. O conhecimento e vontade de tê-lo o farão a este
indivíduo.
Da militância
Outra crítica muito difundida é que a
militância ateísta é algo incompreensível. Não vejo onde. A militância é apenas
o ato de divulgar uma ideia, significa ser membro ativo de uma causa, exercer ativamente
uma profissão[5].
Isto nunca foi exclusividade religiosa, mas de toda a ação humana no decorrer
dos séculos, de sua evolução social. Assim, é natural que pessoas adeptas do
ateísmo queiram-no divulgá-lo. E em vista do que se é possível observar no decorrer
dos acontecimentos, é natural que pessoas não adeptas às barbáries promulgadas
pela concepção religiosa queiram mostrar o lado distinto disto. Mas lógico que,
em vista de probabilidade, o contrario possa ocorrer, mas com poucas chances.
Citações falseáveis e falaciosas a respeito
de governos ateus, e o mais comum é o aditado à U.R.S.S.[6], onde
o “estado ateu” seria responsável por chacinas e terrorismo sem igual, e
repetido e repetido por gerações. Não foi bem assim, aliás, longe de sê-lo. O
máximo de estado realmente ateu que houve foi na Armênia entre 1967 e 1991,
durante regime comunista na região. A instituição eclesiástica era proibida e
sua alegação era a de que era “importação estrangeira” e eram proibidas ideias
estrangeiras (não acredito que o comunismo fosse ideia natural armênia)[7]. Este,
junto com outros governos, acabou por perfazer um terror envolto de ideias que
não lhes prestavam serviços, pois a superstição – má vista e entremeando pelo
desincentivo e a proibição – voltou com força total após estes regimes
totalitaristas, para desalento da real pesquisa e divulgação científica. Mas
isto é somente mais uma vertente da necessidade de pessoas se perfazerem
politicamente e manter seu poder e sua influência.
No fim, a compreensão importante é a já
citada: ser ateu é ser simplesmente descrente da existência de entes
divinescos, sejam estes quais forem. Mas isso não impede nuances, que a
princípio possam parecer incompatíveis com o ateísmo, não lá se encontre. Por
tanto, acaba por ser importante que todos aqueles passem pelo prodígio da
compreensão da humanidade deem o reforço necessário àqueles que as desconhecem,
e até mesmo as ignoram. Não é fácil, não é nem mesmo primoroso, mas talvez seja
a última cartada para uma humanidade manquetola, onde a muleta repele a vontade
de aprender a andar novamente.
[2] SAGAN,
Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma
vela no escuro. Págs. 183
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