terça-feira, 11 de novembro de 2014

CARTA AO MEU AMIGO JOEL CAVALCANTE


19/10/2014

Prezado Joel,

Gostaria que você gastasse um pouco de seu tempo para ler meu desabafo. Derramei hoje algumas lágrimas e queria te dizer por quê.
Passei a tarde ensaiando uma peça de teatro e na saída, fui abordado por um menino de rua que me pediu dinheiro para comprar chinelos. Olhei em volta e vi o comércio todo fechado neste domingo. Dei-lhe as moedas que tinha no bolso e comecei a lhe fazer perguntas. Soube que sua mãe morreu, que seu pai está preso, que ele e a irmã dormem na rua. Escandalizado, perguntei se não tinha medo de dormir na rua, se não era melhor dormir num abrigo da prefeitura de Niterói, se não pedia ajuda aos funcionários desses abrigos para ser confiado a uma família.
Meu coração apertou, Joel. Meu desejo era ser pai daquele menino. Meu desejo era trazê-lo para casa e amanhã comunicar minha decisão às autoridades competentes, para que elas me fizessem legalmente pai dele e da irmã. Se não fiz isso é porque meu salário não me permite ser pai.
Acabei encontrando uma loja que vendia chinelos dentro do shopping center. Voltei, procurei-o e o levei para lá. Ele teve medo que não o deixassem entrar por estar descalço. Eu falei: “Me dê sua mão. Ai de quem não te deixar entrar comigo ao seu lado.” E me senti o homem mais importante do mundo. Lembrei de São Francisco de Assis, lembrei da Irmã Dulce. Como eu quis ter a coragem daquela freira baiana, para enfrentar o mundo e ficar ao lado de Davi. (Ele se chama Davi e tem onze anos, a voz e os olhos mais doces que já vi.)
Acabei por comprar para ele também uma bermuda. Vou ter que apertar o cinto até o fim do mês, mas o que isso importa se, no momento em que te escrevo estas linhas, eu já jantei e talvez Davi não tenha neste momento um pedaço de pão?
Joel, você sabe que eu sou ateu. Ser ateu me dá uma grande liberdade: não tenho medo do Inferno, não me deixo guiar por sacerdotes que nada sabem da minha vida e desafio preconceitos. Mas também me dá uma angústia. Ser ateu é saber que a Justiça não existe. Que não há um Deus que me ampare quando eu desejo fazer o bem. Angustia-me muito não ter dinheiro para fazer o bem e ajudar quem precisa.
Obrigado por ler meu desabafo.

Edson

P. S.: Quando me despedi dele, dei-lhe um beijo e disse que ele era o filho que eu queria ter.

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