quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

"NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO"

"NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO"

Um monte de gente condenando o fanatismo dos muçulmanos que mataram os chargistas do jornal "Charlie Hebdo" e ninguém quer admitir publicamente que nós não estamos longe disso. Ou vocês acham que os comediantes do "Porta dos Fundos" ainda estariam vivos se os fariseus da bancada evangélica tivessem poder para condená-los à morte? Viralizou na Internet o vídeo em que Feliciano aplaude o assassinato de John Lennon dizendo que os três tiros que o ex-Beatle e ex-Sir (ele devolveu a condecoração depois, irritado com algumas atitudes do Estado britânico) recebeu teriam sido em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Quando o fariseu Silas Malafaia coloca outdoors em diversas cidades dizendo que o amor entre pessoas do mesmo sexo ameaça a espécie humana, ele está repetindo as mesmas coisas que a propaganda nazista dizia. E se os não-heteros não estão hoje em campos de concentração marcados com um triângulo rosa no uniforme listrado é porque ele não tem poder para isso, pois mostra a História que, todas as vezes que os intolerantes puderam matar seus desafetos, mataram. Eis aí as Cruzadas, a Inquisição, o Holocausto e tantos outros exemplos que fundamentam minha tenebrosa especulação.
Declaro-me ateu e não faço coro com certos ateus como Richard Dawkins. Num vídeo constrangedor que assisti esses dias, ele diz que os ateus devem perguntar aos religiosos se eles acham mesmo que a hóstia se torna o corpo de Cristo. Bem, eu não me importo que humoristas façam piadas com a hóstia num teatro, num vídeo -- eu mesmo fiz um esquete chamado "O papa não tem útero", em que exponho minhas dúvidas e meu desacordo com as autoridades eclesiásticas e apresentei esse esquete num encontro de ateus -- mas não é educado provocar as pessoas. Não, eu não creio que a hóstia se torne o corpo de Cristo, não creio que ele tenha ressuscitado ao terceiro dia, não creio que a mãe dele fosse virgem etc. Não tenho problemas em admitir isso, mas não vou provocar as pessoas, pelo bem da civilidade. 
Ninguém é obrigado a ler "Charlie Hebdo", como ninguém é obrigado a assistir o "Porta dos Fundos". Como eu não posso ser forçado a ir à igreja (no Brasil Colônia, eram todos obrigados). Tenho o direito de expressar minhas dúvidas e minha não-crença, mas a boa educação deve me mostrar a ocasião em que devo fazer isso. Se alguém recusar minha amizade por eu ser ateu, sigo minha vida. Mas não vou destruir uma amizade porque alguém insiste em crer em Deus. -- E tenhamos a honestidade dos ateus Sartre e Saramago de admitirmos que seria melhor que existisse um deus, mas um deus verdadeiro, sábio e justo não ditaria certos absurdos escritos no Alcorão e na Bíblia, nem assistiria passivo nossas desgraças.
Sei que a convivência neste mundo anda difícil. As religiões complicam muito essa convivência. Mas será uma incoerência se nós, ateus, que denunciamos os rios de sangue que os desacordos religiosos têm gerado, contribuirmos para mais desacordos. Se sonharmos com um mundo sem religião, no que seremos diferente dos fanáticos que não aceitam as diferenças? Aliás, seremos incoerentes até com o conhecimento científico que dizemos defender, porque sabemos que somos símios e que os símios vivem em bando sob o comando de um líder. E quanto desse instinto símio sobrevive não apenas nos religiosos, mas em nós também?
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