sábado, 9 de maio de 2015

A MELHOR E A PIOR FRASE DA BÍBLIA


Nunca vimos uma crucificação. Não sabemos como eram as crucificações. Tanto que, a cada filme ou série que assistimos, os roteiristas e diretores crucificam os personagens de uma forma diferente. Confiram, por exemplo, o clássico “Ben-Hur”, o filme “Spartacus” de 2004 (não me refiro ao clássico com Kirk Douglas que mostra pessoas crucificadas mas não sugere como se fazia, o diretor lavou as mãos) e o seriado “Spartacus”, em cujo episódio final o personagem Gannicus, interpretado pelo belo Dustin Clare, morre crucificado após comandar uma tropa de rebeldes que retarda o avanço do exército romano para que velhos, mulheres, doentes e crianças consigam fugir pelas montanhas guiados pelo casal de guerreiros gays Agron e Nasir.
As crucificações eram tão comuns nos tempos da Bíblia que os evangelistas não se deram ao trabalho de explicar como elas eram feitas: todo mundo sabia como era, todo mundo já tinha visto e ninguém jamais imaginou que um dia isso deixaria de acontecer. Se eles tivessem o dom de prever o futuro, teriam facilitado as coisas para os produtores de Hollywood e explicado direitinho como se fazia.
Quem gasta mais papel narrando o que teria acontecido no Calvário é João, o apóstolo amado. Telegráfico como os demais na parte técnica (“Lá, eles o crucificaram com outros dois” – João 19: 18, tradução da CNBB), demora-se a contar como agiam o povo, os soldados e os condenados.
Duas coisas sempre me chamaram a atenção. Jesus diz: “Tenho sede!” Um teólogo ou um filósofo (mesmo ateu) poderia escrever um livro inteiro sobre essa frase. Todos os crucificados sentiam sede, pois perdiam sangue e suor naquela tortura. Mas apenas Jesus pensa em pedir água àqueles soldados que o despiram, espancaram e pregaram na cruz, somente ele acredita que pode restar alguma bondade naqueles soldados e que eles lhe poupariam ao menos o tormento da sede. Essa frase antecipa em quase dois mil anos a frase de Anne Frank, criança símbolo do Holocausto: “Apesar de tudo, ainda creio na bondade dos corações humanos”. “Tenho sede” é a melhor frase da Bíblia.
João se diz testemunha ocular dos acontecimentos. Lucas declara ter escrito o que ouviu de outras pessoas. Ele diz que um dos condenados insultava Jesus e o desafiava a libertá-los da cruz. Causa-me admiração que um homem, sofrendo a dor de ter pregos perfurando sua carne e seus ossos e a vergonha de ser exposto nu diante de uma multidão ainda encontre disposição para zombar de outro. O que mais pensar que o principal motivo de o imperador Constantino, após sua conversão, proibir as crucificações não teria sido o alegado desejo de negar a criminosos a “honra” de morrerem como o Salvador, mas sim o costumeiro mal humor dos condenados que contrariavam essa página. Ou será que aquela mistura de vinho com mirra, que Marcos 15;23 e Mateus 27: 34 dizem ter sido oferecida aos condenados era um entorpecente tão eficaz assim? Nunca saberemos, pois as leis não nos permitem crucificar um condenado para testar a eficácia de tal droga no alívio das dores. A bioética impede que o método científico possa refutar ou aprovar o relato bíblico.
E é no relato de Lucas que encontra-se a pior frase da Bíblia. O outro condenado repreende o debochado e lhe diz: “Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos” (Lucas 23: 41).
Várias pesquisas científicas foram feitas para investigar como os romanos crucificavam. Em que partes dos braços eles metiam os pregos? Experiências foram feitas com cadáveres para ver como um corpo poderia ser pregado na cruz sem que se soltasse. (Pregos metidos nas palmas das mãos, como na arte religiosa, não seriam eficazes: o peso do corpo faria com que as mãos se rasgassem e os corpos caíssem, e talvez caíssem com as vítimas ainda vivas. Então o mais eficiente seria metê-los nos pulsos.)
Há um documentário do History Channel sobre isso, ao qual assisti no Youtube. Médicos valeram-se de voluntários que se deixaram amarrar a cruzes para pesquisarem os efeitos da crucificação sobre o coração.
Mas por que não foram esses médicos a um lugar onde há pena de morte e não pediram que as autoridades lhes entregassem alguns condenados para que mais fielmente testassem suas hipóteses? Por uma única razão: PORQUE AS SOCIEDADES EVOLUÍRAM E AS TORTURAS NÃO SÃO MAIS ACEITÁVEIS EM NENHUMA LEGISLAÇÃO QUE SE QUEIRA CIVILIZADA. Não importa o que um criminoso tenha feito. Ele não pode ser crucificado.
Sim, eu acho que realmente houve um rabino em Jerusalém que incomodou as autoridades religiosas e políticas com seus ensinamentos e por isso foi crucificado. Há chances de que esse diálogo realmente tenha ocorrido.
E, na mentalidade da época, os criminosos não tinham dignidade. Podia-se fazer tudo com eles. Não apenas crucificações, mas apedrejamentos, castrações, fogueiras, toda sorte de tormento.
Aqui no Brasil, país em que não há investimento em Educação, em que as empresas de comunicação não cumprem os compromissos éticos que a Constituição Federal impõe nos artigos 220 e 221 da Constituição Federal às concessionárias de rádio e TV, a população é catequizada por um jornalismo desonesto que repete diariamente que a Declaração dos Direitos Humanos apenas beneficia bandidos. Não! A Declaração dos Direitos Humanos é um conjunto de exigências feitas aos países membros da ONU para que TODOS OS SERES HUMANOS tenham uma vida digna: o direito à educação, à informação, à saúde, à crença ou descrença, à participação política, à integridade física etc. É graças à Declaração dos Direitos Humanos, por exemplo, que ninguém pode forçar você a casar com quem você não queira, embora os líderes religiosos que primam pela desonestidade amedrontem as pessoas com o fantasma de uma ditadura gay.
Essa frase do Evangelho de Lucas, repetida há quase dois mil anos, que repete o senso comum que nega a dignidade humana a uma pessoa com base em algum ato errado que ela tenha cometido, esse ensinamento torpe torna possível que a maioria da população, mal informada e manipulada, ache correto que ainda hoje alguém seja torturado.
Lembro aqui o caso da travesti Verônica. Ela realmente agrediu a senhora de 70 anos? Eu não sou advogado dela. Não posso afirmar que ela seja inocente. Mas é um princípio que herdamos do Direito Romano que todos são inocentes até prova em contrário. (Sim, Pilatos não condenou Jesus antes de perguntar se ele se assumia rei dos judeus, o que era um crime contra Roma. Se ele tivesse dito que não, a obrigação de Pilatos seria chamar a tropa de choque para dispersar a plebe que exigia a crucificação de Jesus e escoltá-lo até um lugar seguro.) Que Verônica seja devidamente processada e julgada. E, se condenada, cumpra a pena estabelecida pela lei. Lei que, conforme a Declaração dos Direitos Humanos, proíbe a tortura. Seja qual for o caso.

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