quarta-feira, 5 de agosto de 2015

DUAS REFLEXÕES SOBRE O CASO DO HOMEM MORTO NA SUPERVIA


1. Ele tinha saído havia pouco tempo do sistema carcerário. Esse sistema que consome os dias limitados dos seres humanos sob o pretexto de puni-los, mas não os prepara para voltarem ao convívio social. Saem marcados como Jean Valjean, o protagonista de "Os Miseráveis", condenados a voltarem à cadeia por não estarem marcados com um estigma que faz com que a sociedade os rejeite. E Jean Valjean só não voltou para a cadeia porque houve alguém que acreditou nele e lhe deu condições de recomeçar a vida.
Para não roubar, para não nos ameaçar com um revólver ou uma navalha, aquele negro -- vamos dizer bem alto: "negro!", pois essa é a cor da maioria dos que entram no sistema carcerário -- vendia doces. E tentando viver sem ameaçar nossas vidas, perdeu a vida dele.

2. Nem todas as ordens devem ser cumpridas. Dizer que recebeu ordem para passar por cima do cadáver não significa que se deve fazê-lo. Quando soube disso, lembrei do escândalo nacional que aconteceu quando aquele pastor chutou a imagem da padroeira do Brasil. Igual escândalo deveria ter acontecido agora, pois um trem passar por cima de um cadáver, é mais do que um insulto á fé católica: é um insulto a todas as crenças e um ato contra a civilização, pois a civilização começa quando os seres humanos começam a sepultar ritualisticamente seus mortos. O respeito aos cadáveres é uma marca que define o momento em que, inquestionavelmente, os símios se tornaram humanos e começaram a desenvolver uma organização social baseada em valores comuns.

Lembro aqui de Aracy, diplomata que depois veio a usar o sobrenome Rosa quando pôde casar-se com o famoso autor de "Grande Sertão: Veredas". Ela servia no consulado brasileiro na Alemanha e Getúlio dera ordens para que não fossem concedidos vistos de entrada para os judeus. Aracy fraudou documentos, omitindo a condição de judeus para quem queria emigrar para o Brasil, ou enganava o cônsul misturando os vistos dos judeus no meio de papeis que o cônsul assinava sem ler. Por causa disso, o Estado de Israel a considera uma heroína e há uma árvore com seu nome hoje no Bosque dos Justos.
Henry Thoureau, filósofo americano autor de "A Desobediência Civil" diz: "Antes de sermos súditos somos homens". Antes de sermos funcionários, devemos ser humanos. E nem toda ordem deve ser obedecida.

Postado por
Edson Amaro

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