Certa vez, por
curiosidade enquanto um grupo de amigos conversava sobre as roupas que melhor
vestiam as mulheres em nossas opiniões, fiquei curioso e questionei um amigo
religioso neo pentecostal sobre o porquê de suas mulheres usarem – quase que
irrestritamente – saias, e por que a tão pouco (dependendo da igreja, nula)
variância da vestimenta. Sua resposta, a que ele acrescentou aplicar-se também
aos ternos dos homens e sua quase recusa em shorts e afins, me fez refletir
fundamente: “É uma maneira de nos separamos dos outros”.
Bem, não é
segredo para ninguém que, de regra imputa, mas nem sempre descrita, grupos
tendem à refutar outros e querem diferenciar-se deles (alguns mais, outros
menos). Mas não nos parece meio hipócrita isto, quando os vemos praguejar aos
quatro ventos sobre a “falta de compaixão e amor de Deus”, e se isolam (isolam
à outros) por tão pouco?
Temos, sempre
que necessário – mas de preferência o tempo todo –, compreender a ocorrência
das situações que costumam envolver pensamentos e atitudes que se contrapõem
numa forçosa harmonia (ou como me ensinou uma grande amiga, o duplipensar[1]).
E, como visto em nosso dia-a-dia, vê-se situações assim na relação diária de
pessoas religiosas e, talvez mais do que isso, dogmática.[2]
Ao andarmos nas
ruas da maior parte das cidades brasileiras, principalmente pouco depois do
início da noite, vemos muitas pessoas trajando chamativos e, por vezes
incontáveis, incompatíveis vestuários que, socialmente, costumam até mesmo ser
bem visto. Por quê? Por quê um homem de terno neste horário é (quase)
inevitavelmente visto como um pastor? Dentre os variados aspectos que podemos
ver aqui com relação à ligação das vestimentas e da ostentação, este é apenas
um minúsculo grão numa praia de obviedade realizadas a milênios pelo ser
humano.
Em grupos
sociais, as roupas e como as vestimos possui – e a muito possuía – intrincado
simbolismo relativo à sua representação de como indivíduo se insere e é
inserido no cerne do grupo. Um símbolo destaca um membro; um símbolo indica à
que grupo pertence; um símbolo indica sua especialização e de quanto ele pode
(deve) ser bom naquilo que faz. Por tanto, o ser humano se viu necessitado de se
achar, de se encontrar, como concepção metafísica de sua própria realidade e
denotação de seu eu, para não perecer
diante das assombrosas ações naturais que fatalmente lhe dilacerariam sua
existência. Estes símbolos se aplicavam conforme houvesse uma necessidade
intrínseca a determinado momento e ação que, visceralmente, se impunha a todos
os membros pelos mais variados membros. Não é preciso reforçar, então, que
estes meios de padronização simbológicos e impugnativos se aperfeiçoaram
conforme se descobria uma dada melhora dialética, apologética.
Ou seja, esta
simbologia toda não era necessariamente natural, como seria as ações que
colaborassem com a manutenção do bando (bondade, altruísmo comedido, lealdade,
companheirismo). Não. A adoção de símbolos sempre foi mais relacionada às ações
de manutenção do grupo, como se este não, possuísse por si apenas, poder o
suficiente para esta tarefa. Mas isto é muito mais facilmente relacionado com a
insegurança das lideranças em observarem sua dominação completada pela atuação
da simbologia imposta.
Isto, portanto,
transportado aos nossos dias nos chama a atenção sob vários aspectos visíveis
ao se caminhar por menos de 10 minutos em qualquer rua de qualquer cidade no
planeta. Roupas, corte (ou não) de cabelos e pelos, trejeitos e tiques,
sotaques e gírias, locais onde se mora e onde se frequenta[3].
Certo. Somos macacos sociáveis e vemos a dependência de símbolos – diretos ou
indiretos – para nos estabelecermos. Algum problema com isso?
Não, de modo
algum. A necessidade de autoafirmação é evolutiva e ajudou o ser humano em sua
caminhada à consciência. Mas a contrapartida triste disso e – infelizmente
parece ser – inevitável é a sobreposição de um símbolo a outro. Não cito
àqueles que simplesmente ficaram ultrapassados por não mais satisfazerem as
necessidade de dado grupo ou sociedade, mas àqueles que são desfeitos e
denegridos por não condizerem com conotações arbitrárias e impositivas, que
muitas vezes apenas estão entrando num novo contexto e são denegridos por uma
simbologia arcaica, que seus grupos divulgadores que o tornam “sagrado”, assim
não querendo vê-lo definhar e morrer, junto com seu grupo. Aqueles símbolos (os
novos) são, portanto, amplamente difamados e possuem sua verdadeira identidade
desfeita, independentemente de sê-lo real ou não.
Assim, formamos
na compreensão deste texto o escopo de onde tentamos chegar. Sistematicamente,
religiões vem durante toda sua história (que nos leva a tempos remotos)
desfazendo símbolos anteriores – ligados à fé ou não – para que aquela possa manter-se
na ‘eterna’ prosperidade, à medida que vai elevando o status de seus
“legítimos” detentores: os líderes religiosos[4].
E o mais curioso – e contraditório, e hipócrita, e displicentemente ignorado –
é que os mesmo símbolos religiosos hoje adorados simplesmente se criaram e
perfizeram por meio do sincretismo histórico, a transição de ideias de lideres
visitantes de terras distantes que traziam suas boas novas e interpelavam
noções às vezes distintas, as vezes contradizentes, as vezes apenas não
apresentadas acompanhadas. Isso criou a rica mitologia humana, com todas as
suas nuances, detalhes, visões, sensações, interpretações, ações e...
simbologias!
Mas alguns
casos específicos passam pela triste aspereza de se apenas criar símbolos novos
pela rude interpretação insossa do que lhe era um inatingível. O terno social
teve seu início na corte francesa de Luís XIV, por volta do século XVIII:
“(...) o rei (...) já usava; Era moda utilizar paletó,
colete, camisa e calças feitas com diferentes tecidos, padrões e cores. O corte
era largo, e o terno foi pensado como um vestuário de campo informal, conhecido
como "roupa de descanso". Como essas roupas também eram utilizadas
para andar a cavalo, os alfaiates faziam uma fenda atrás no paletó - origem das
aberturas encontradas nos ternos atuais. Apenas em 1860 todos os componentes de
um terno passaram a ser confeccionados com o mesmo tecido. O povo francês
gostou da inovação e a aprimorou: Em vez de usá-la aberta sobre o peito,
amarrou-a em volta da gola.”[5]
Como traje
muito confortável e próximo da padronização exigida pela endossão de empresas e
seus empregados, bem como vestuário de estilo, mas caros, conforme o tecido, o
corte e o alfaiate (em meados dos anos 20 a 70). Esta vestimenta teve muito de
seu auge nos Estados Unidos e, com sua doutrinação cheia de práticas regradas e
dogmáticas, um povo extremamente religioso e fúria incessante à tudo aquilo que
parecesse perturbar esta “ordem”. Assim, o terno tornou-se uma espécie de
“uniforme” para o homem que se via no ápice desta sociedade, em todas as
propagações de direitos e deveres com um típico “cidadão americano”.
Não demorou a
que se o ideário destas condutas e ações – que inclui aí a vestimenta, a fala e
outros mais – fosse espalhado para todo o país e, com isso, tornar-se regra
para uso em cultos e celebrações religiosas, vistas que sua importância
celebrava a necessidade do uso de seu melhor traje. Estas religiões de cunho
protestantes e calvinistas se espalharam pelos países latinos[6],
e o intento do símbolo norte americano de padrão de comportamento se espalhara
juntamente.
A questão, por
tanto, fica muito claro quando analisamos que o fato da vestimenta dos pastores
e seguidores religiosos confirma-se como um símbolo, símbolo de uma cultura
lhes emprestada e apropriada (no sentido de apropriar-se). Este símbolo demonstra
muito mais na compreensão do que se verifica quando a soberba de se inserir num
grupo que é visto de forma superior pelos seus membros, mas o irrisório motivo
da separação. Sim, conheço (e acho que muitos devem conhecer também) pessoas
que gastaram dinheiro que ‘não tinham’ na esperança de agradar (ou fazer-lhes
inveja) aos outros membros do grupo. Ou seja: OSTENTAÇÃO, e não mais do que
isso.
Acaba por
parecer, então, hipócrita numa visão mais prosaica – mas verdadeira – de que a
simbologia se mantém na ostentação do símbolo e, assim, na liturgia deste mesmo
símbolo. Não apenas o temos, mas o mostramos e ostentamos a razão de nossa deferência
ao grupo em que nos mantemos. A igreja lhe incumbe de dizer o quão é bonito e
ostentoso este traje, e o quão ele é obrigatório para diferencia-lhes dos outros, incumbindo magistralmente que a função
da igreja não é simbiose entre as pessoas, mas seu tácito afastamento (a não
ser que o primeiro possa ganhar/reter algo em troca do segundo).
Longe da
questão do certo ou errado ou mesmo de julgar qual o procedimento correto para
este ou aquele indivíduo e/ou grupo (religiosos ou não), percebemos o quão a
pequenez das prioridades humanas tem passado à largas escaladas de se chegar ao
firmamento de uma consciência plena e nobre, onde pessoas de grupos diferentes
tendem à afastar-se de outras de maneira acintosa e verborrágica, e utilizando
da ostentação para deixar isso bem claro. A hipocrisia, por tanto, é um grito
que dói aos olhos, mesmo sendo seu total direito de existir.
[1]
O termo significaria exatamente isso: pensar de maneiras distintas e alinha-las
apeladamente a concordarem, como “O homem é criado à sua imagem e semelhança” e
“os erros humanos são erros dos homens” na mesma ideologia.
[2]
É importante, também, entender-se que no contexto da vivência das pessoas,
muitas vezes as religiões e suas pregações são apenas desculpas engendradas à
suas concepções medíocres do ‘certo’ e do ‘errado’. Por tanto, por mais ignóbil
que as religiões e suas pregações sejam, elas apenas servem para um pregador
angariar devotos e, em contrapartida, estes devotos justificarem suas premissas
equivocadas que, muitas vezes, não possuem ferramentas para esta percepção.
Então estes são mais dogmáticos por si do que só. A religião é – e faz por onde
– sua munição.
[3]
Podem-se notar tendências a determinadas concepções como estas, até mesma
‘programadas’ para isso. Mas elas também podem ser impelidas conforme a
formação do indivíduo.
[4]
Difícil colocar aqui qualquer coisa que não seja a intenção da redundância. O
ser humano costuma ser um tanto quanto criativo para se escolher nomes e
funções: sacerdote, pastor, padre, rabino, gurus, profetas...
[6]
Daí fala-se sobre a Doutrina
Monroe, mas aí ficaria muito extenso o texto. (Vá ao link)
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