Ser
professora de crianças de cinco a catorze anos envolve uma gama tão extensa de
saberes, comportamentos, sentimentos e decisões, que não dá para resumir aqui!
É também um
desafio diário, recheado de situações de conflitos morais, profissionais, éticos
e existenciais.
Ser
professora de crianças e ser ateia exacerba essas experiências e essas
situações de conflitos para além do descritível. Mas vou tentar:
Quando os
objetivos laicos que deveriam nortear a educação pública são desvirtuados pelas
autoridades, colegas de profissão e pais de alunos, pela negação deste
desrespeito ao laicismo estatal e pelo policiamento ideológico dentro da escola
pública, o conflito ético é inevitável e, quase sempre, não declarado nem
sequer debatido.
Dá-se por
vias não oficiais, por persuasão, argumentação da força da maioria e do costume
de que sempre se rezou antes das aulas, sempre se vivenciou o Natal, a Páscoa,
as Festas Juninas, o Plantio do Milho de São José... E pelo poderoso argumento
final: “Os pais não vão gostar”.
De quê? Das
mudanças de abordagem dos conteúdos, das aulas de Ciências negando a Criação
Divina, das aulas de História falando em hominídeos peludos e criadores de
mitos, das aulas de Geografia mostrando a evolução geológica e negando o
Dilúvio e aquela coisa dos seis dias e dos seis mil anos...
É um
conflito que se dá fortemente também pelas vias oficiais, na triste e
irrefutável verdade de que a Secretaria de Educação elabora (em conjunto com os
educadores) a matriz curricular estadual e municipal...
Determina o
calendário escolar, agenda e premia as apresentações dos alunos nas solenidades
cristãs lá na Feira de Conhecimentos, no Congresso Tecnológico da Educação, nas
Capacitações...
A religião
está presente nas escolas públicas, não só nas aulas de religião, como muitos
parecem pensar, sempre que se fala no assunto!
A escola
pública está imersa no Cristianismo ainda pela bagagem religiosa cristã das autoridades da educação, dos
professores e professoras, da gestão e do corpo de funcionários da instituição.
A religião
dos profissionais de educação atua como uma força constante, sem adversários,
persistente e danosa, agindo de forma aceita e incentivada pelas escolas e
pelos poderes públicos; atua no cotidiano escolar e é praticada abertamente pelos educadores, sendo uma
inimiga da sua função primeira:
Estimular e
orientar o comportamento científico, no uso do criticismo, na investigação e na
apropriação do saber acumulado pela humanidade em sua História.
É claro que a religião
não entra nas escolas apenas pela atuação dos profissionais de educação (muitas
vezes inconsciente, acrítica e desapercebida como um abuso), mas chega à sala
de aula através dos próprios alunos, multiplicadores do pensamento religioso de
sua família, da sua comunidade e de sua fé.
Percebe-se
que, em questões culturais, a tendência é a tácita imposição das manifestações
e normatizações da maioria, já que as outras, minoritárias, são sufocadas,
discriminadas e desestimuladas e não se veem representadas no trato social,
exceto em seus espaços específicos.
Que
Secretaria de Educação incentivaria e normatizaria manifestações escolares de cunho umbandista,
candomblecista ou kardecista nas escolas públicas?
Seria risco
de uma rebelião cristã de professores, gestores e pais de alunos... Sem falar
na mídia. O
Cristianismo Católico é a cultura religiosa predominante no Brasil. O
Cristianismo Evangélico cresce a olhos vistos. É lógico, claro e visível que o
Cristianismo é a religião que mais influencia educadores, alunos e pais de
alunos.
Dessa forma,
pode-se dizer que o Cristianismo é a religião mais danosa ao estímulo ao saber
científico, função primordial da educação sistemática.
E não me
venham dizer que a escola pública é apenas um instrumento governamental de
manipulação das populações mais carentes e desprivilegiadas... Isso é um
desvirtuamento da função da escola pública, não sua função primeira e eu me
recuso a aceitar que será sempre assim.
O
Cristianismo segue contaminando as leis da educação, conteúdos escolares e
padrões de mentalidade e comportamento exercidos e alimentados nas escolas. Essa
contaminação se dá através do tratamento cotidiano nos espaços escolar e
sociais e também nos meios de comunicação de massa, nas ações ou omissões
governamentais.
Estamos cercados pelo Cristianismo na própria
atuação daquela bagagem cultural e da normatização de um modo cristão de pensar
e ver o mundo e as pessoas, seja de forma consuetudinária estabelecida pela
tradição, seja pela força que esta bagagem exerce nas autoridades públicas, nos
educadores e no alunado e famílias.
Para terminar, algumas frases comuns sobre a profissão de
professor:
Magistério é “sacerdócio”. Professores são heróis. Professores deveriam ganhar mais. Sem professores não haveria médicos, advogados, engenheiros...
Professores
são formadores de opinião. Professores influenciam os alunos para toda a vida. Professores
são exemplos.
Mas, ouso
acrescentar algumas frases minhas: Professores deveriam ser, antes de tudo,
proibidos de trazer sua bagagem religiosa para a escola. Deveriam ser treinados
para não fazê-lo. Professores deveriam ser profissionais livres para
desenvolverem seu trabalho e sua função de orientadores e facilitadores da
aprendizagem. Sem a
influência antiética e alienante da religião no exercício de sua profissão.
Que aceitem essa influência em sua vida, não é culpa dos alunos.
Postado por:
J.K.
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