domingo, 28 de setembro de 2014

QUANDO ATÉ AS ORAÇÕES INCOMODAM


QUANDO ATÉ AS ORAÇÕES INCOMODAM

Durante o século XX, vários governos autoritários censuraram a peça "Antígone", de Sófocles, escrita 400 anos antes de Cristo, pois a heroína não apenas representa a rebeldia dos jovens contra os velhos, como também clama que o poder dos governantes precisa ter limites. Os versos do profeta Isaías, texto tão ou mais antigo que a tragédia grega, também registra severas críticas aos governantes e podem ser usados em qualquer época, em qualquer lugar, contra qualquer partido. Se o seu texto não foi censurado foi porque os ditadores de países cristãos evitaram comprar brigar com quase toda a população que oprimiam.

O que os ditadores evitaram a prefeitura de Niterói atreveu-se a tentar.

Causou polêmica a intimação da Secretaria de Urbanismo para que fosse retirada uma faixa colocada nas escadarias da Primeira Igreja Batista de Niterói chamando o povo a orar por aquela cidade. O pedido de oração parece ter sido interpretado como uma crítica à administração -- pelo menos é assim que os evangélicos entendem a intimação.

Logo alguém, justificando a ordem, disse que há uma lei na cidade que diz que toda faixa ou anúncio tem que ter autorização da Secretaria de Urbanismo. Ora, bolas, retrucou alguém no grupo "Niterói quer ter prefeito" e todas aquelas faixas dizendo "a população agradece a fulano de tal pelas obras na comunidade"? Recebem autorização do poder público? Sim, a lei existe, mas parece que ela só é usada quando convém, como aquelas cartas do baralho chamadas "trunfo". E, penso eu, que não frequento igrejas: se o pastor colocou essa faixa numa igreja tão antiga e tradicional é porque ele e seus antecessores no cargo devem estar acostumados a fazer outros anúncios da mesma forma sem serem incomodados: "Venha passar a Páscoa conosco!" "Musical de Natal", "Venha ouvir a palavra de Deus". Nada disso chama a atenção do poder público, mas chamar o povo para orar pela cidade, aí é demais.

A prefeitura só poderia ter duas atitudes sensatas nesse caso: 1) fingir que não viu nada; 2) o prefeito em pessoa calçar as sandálias de São Francisco e comparecer à noite de oração, para ouvir o que eles têm a dizer no púlpito sobre a cidade e ainda parecer simpático aos fiéis. Quem sabe doar umas cestas básicas para as obras assistenciais da igreja ao final do culto?

Agora há um evento no Facebook chamando o povo para essa noite de orações como uma medida urgente e inadiável pelo bem da fé cristã.

Tiro no pé, prefeito.

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